11 de mar. de 2008

O Crack e a Reforma Psiquiátrica

Publicado em Zero Hora de 07/03/08
As forças que historicamente defenderam a manutenção do modelo hospitalocêntrico no tratamento dos transtornos mentais e que se insurgiram organizadamente, quando da luta pela Reforma Psiquiátrica desenvolvida no Brasil e, particularmente, no Rio Grande, nas décadas de 80 e de 90, voltam a se manifestar, o que têm feito de forma recorrente, buscando reverter o processo.

Este movimento pela reforma levou a promulgação, no Estado, da Lei n.º 121/92 e a Lei Paulo Delgado, em nível nacional, em 2001, que estabeleceram um novo paradigma.

Tendo como pano de fundo recuperar uma atividade econômica lucrativa, os setores que defendem a construção de hospitais psiquiátricos e a ampliação de leitos nos já existentes, usam um conjunto de argumentos e números, que de fato existem, mas que são colocados no contexto de forma tendenciosa, visando chegar a uma conclusão equivocada.

As referidas leis previam que a redução progressiva dos leitos em manicômios seria substituída, parcialmente, pela instituição de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e, especialmente, pela construção de uma rede alternativa que, a partir da mudança do enfoque filosófico na abordagem da saúde mental, instituía o atendimento humanizado, com o paciente no convívio da família e da comunidade.

No Rio Grande, ficou determinado que em cinco anos a reforma seria revista para corrigir eventuais desvios de rota. De lá, 1992 para cá, outros componentes integram o quadro, outra realidade se apresenta.

Os governos investiram na criação de normas, na estrutura e na qualificação de pessoal para o funcionamento do novo modelo, mas o fizeram de maneira insatisfatória. Foram criados CAPS, NAPS, Hospitais-dia, SRTS, entretanto em número bem aquém do necessário.

Outro aspecto significativo é o do aumento dos usuários de drogas, notadamente do crack, que hoje representa um grave problema de saúde mental e que, à época da discussão da reforma, tinha uma incidência bem menor. É verdade que, para o tratamento deste grupo de dependentes químicos, estão faltando leitos para a internação inicial, que tem como objetivo a desintoxicação. Desta demanda, fruto de um novo quadro social, os eternos defensores do sistema asilar fazem cavalo de batalha.

Agora, usar este argumento como motivo para a volta dos manicômios é um equívoco. Não passa de uma manobra de quem quer lucrar. Temos sim que, urgentemente, ampliar a rede de atendimento, nas suas diversas instâncias e viabilizar as internações inevitáveis em leitos adequados, em hospitais gerais.

Embora o sonho e a esperança fosse de que ao cabo de 5 anos, prazo estabelecido em lei para a revisão, ou, mais ainda, hoje, passados 16 anos, o avanço fosse significativamente maior, não restam dúvidas de que, se tivesse sido mantido o modelo anterior, o resultado seria imensamente pior.

Ou alguém acha que o dependente de crack ou o portador de qualquer outro transtorno mental vai conseguir a cura no isolamento, na exclusão do hospital psiquiátrico?

Dr. Beto Grill - Co-autor da Lei da Reforma Psiquiátrica no RS
Pres. PSB Camaquã

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