17 de abr. de 2008

Artigo: Novelização

Beto Grill (Pres. Municipal de Camaqua - Coord. BAncada do PSB/ALRS)
É renitente. Toda vez que algum crime violento ocorre no país, nossa sede vampiresca vem à tona. Somos tomados pela necessidade de acompanhar cada fato, cada pista ou pingo de sangue que possa levar à solução do caso. Teorizamos.

Enquanto isso, na periferia, nas classes menos assistidas (auxiliadas e vistas), casos de violência são diários. Desta vez, como já aconteceu anteriormente, é a classe média que atiça a curiosidade da mídia, locupletada por índices de Ibope e pela rivalidade de emissoras.

Para gerar audiência, não é necessário ser famoso. Também não é preciso cair de avião, como os Mamonas, ou comover a nação, como foi com a morte do Senna. Em 2007, as câmeras se voltararam, com extensa cobertura, para o ocorrido em uma escavação no metrô de São Paulo. Sete vítimas anônimas.

Em todos os acidentes, violência, morte e a devoção do público ao caráter de novela que o noticiário empresta ao tema. No caso do metrô, a atenção só foi dada porque era uma obra pública, envolvendo gastos de políticos e empreiteiras em um bairro de classe média. Em qualquer dos casos, a curiosidade mórbida!

Desde o final de março, a imprensa dá cobertura ao caso da menina Isabella, que possivelmente foi arremessada pela janela de casa após ter sido agredida (já não vem ao caso por quem, mas quanto se pode gerar em números). Nosso sadismo, em meio a suspiros, alimenta a cobertura do incidente.

Com essa audiência, a mídia mostra muitas lágrimas. Túrgidos, regozijamo-nos com a tristeza, somos capazes de ter pesar pela situação da qual nos aproximamos através da televisão. Usurpação do sentimento de dor daqueles que estão envolvidos.

Com isso, afirmamos que, se é verdade que uma imagem vale mais que mil palavras, quando houver lágrimas, esta verdade vale ainda mais. Tudo, hoje, é televisionado, não importa o meio, há tecnologia suficiente. Imagem é tudo!

Na última teça (08), quiçá motivada pela cobertura da mídia, pelas manchetes, pelas correntes da Internet, um bebê de oito dias foi “deixado cair” pela mãe. A criança despencou de uma altura de cerca de dois metros e sofreu ferimentos leves. Provavelmente, não veremos mais notícias sobre o fato. Não houve nem morte nem sangue. Para piorar, a mãe é pobre.

Por óbvio, não é a imprensa, a mídia em geral ou a televisão que devem ser responsabilizadas pelas atitudes criminais e impensadas que alguém possa ter cometido. Porém, a morbidez pública presta-se a motivar a busca da audiência pela audiência.

Por fim, mea culpa (nossa), pelo desejo do mórbido, do sangue, da violência — desde que distante. Entretanto, não seria, então, a hora da mídia mudar de atitude, com maior cometimento quando desses acontecimentos, e assim influenciar a atitude da população? Não é a hora de rever o conceito de audiência?

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