17 de abr. de 2008

Ciro Gomes pode tentar a presidência pela terceira vez em 2010

Jornal do Comércio - Porto Alegre, 14/4/2008

Aos 50 anos de idade e 30 de vida pública, Ciro Gomes é um político de língua afiada. "Digo o que penso. Cultivo essa coisa de ser franco", admite o deputado federal do PSB pelo Ceará. Ele reconhece que tem fama de pavio curto e lamenta algumas de suas declarações. "Já disse muita bobagem por imaturidade", conta. Por outro lado, afirma que, ao longo dos anos, acumulou experiência e que, entre os erros que cometeu, nenhum pode ser associado ao desvio de um centavo de recursos públicos.

Ciro foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e da Integração Nacional no primeiro mandato do presidente Lula. Para ele, o pior momento de sua vida pública foi o período do escândalo do mensalão, denunciado em 2005. "Vi o País na eminência de um golpe de Estado. Vi a grande imprensa brasileira, de forma chocante, virar um partido político". O deputado recebeu a reportagem do Jornal do Comércio, na sede do PSB gaúcho, durante visita a Porto Alegre para participar do Fórum da Liberdade. Na conversa, Ciro fala da conjuntura política nacional e sobre as articulações para as eleições de 2008 e 2010, quando poderá se candidatar pela terceira vez à Presidência da República.

Jornal do Comércio - O senhor tem dito que está mais maduro. É uma indicação de que se sente preparado para disputar a Presidência?Ciro Gomes - Acumulei uma experiência e agora cultivo um olhar sobre os erros que cometi. Tenho orgulho de dizer que nenhum deles alcançou nenhum centavo do dinheiro público. E são 30 anos de vida pública. Já disse muita bobagem por imaturidade. Na última campanha que fiz à Presidência da República, tinha 45 anos. Fui governador com 32, até hoje o mais jovem da história do Brasil. Fui prefeito da quarta maior cidade brasileira em população aos 29 anos. E já tinha sido antes disso duas vezes deputado. Fiz 36 anos no Ministério da Fazenda, quando a Constituição brasileira só permitia que alguém fosse candidato com 35 anos. Sofri muito. Tudo foi um aprendizado. E parte das coisas (que disse) não é por ser linguarudo não. É uma indignação que não quero sufocar. Não quero virar um velhaco, um cara frio, olho de cobra. Sei dizer as frases politicamente corretas que as pessoas gostam de ouvir, mas abomino isso. O que não me autoriza a ser azedo, agressivo, o que já fui muitas vezes. Estou achando o equilíbrio, o resto é experiência mesmo.

Jornal do Comércio - Qual seu plano para 2010?Ciro - Lutar entusiasticamente para que o espaço conquistado na representação do que significa essa coalizão ao redor do presidente Lula avance, não dê para trás. Não estou falando de conservar, estou falando de avançar. Vou estar nessa luta com grande entusiasmo. Qual é o meu papel? Não sei.

JC - E a possibilidade de o senhor ser candidato?Ciro - Fui candidato do Brasil duas vezes. Seria honesto dizer que não sou candidato? Não. Posso ser candidato. Mas para ser candidato tem que ter uma certa naturalidade. O que procuro fazer é me preparar, me manter descente, enfim, ter linha. E isso estou fazendo. Adoro. Venho para cá, participo durante dias, converso com as pessoas, escuto, vejo. Na outra semana vou não sei para onde, dou opinião para defender a Dilma...

JC - Essa era a próxima questão...Ciro - Os políticos convenientes querem sair dos assuntos polêmicos. Eu me ofereço. Qual o papel da liderança política? Não é hegemonizar o poder. O papel da liderança política verdadeira é ajudar a formar opinião, organizar, repartir com a inteligência coletiva sua visão de mundo, e isso que vai permitindo à humanidade avançar.

JC - Como o senhor tem acompanhado a polêmica sobre o dossiê?Ciro - Primeiro é preciso dizer que Dilma é mencionada como possível sucessora de Lula. A partir daí, existe um centro clandestino no conservadorismo brasileiro, cujo epicentro é a oligarquia de São Paulo e sua fração de influência na mídia, que quer subtrair da população esse julgamento. Na política brasileira, todo mundo é pilantra até que se prove o contrário. A democracia só não acaba porque o povo, ao fazer esse juízo generalizante, isola fulanos, beltranos e sicranos. Senão, a democracia acabaria aí mesmo. Essa é a premissa do golpe de 1964, feito com um discurso moralista igualzinho. Os políticos estão sob suspeita. Então, você pega uma coisa qualquer e joga. Quando é sob uma instituição, ela se recicla. Quando é uma pessoa, ela pode ser destruída. Isso é fascismo do mais puro calibre. A Dilma é decente, trabalhadora, patriota, está a serviço do País 24 horas por dia sem descanso. É a principal gestora do governo, hoje mencionada como possível candidata por merecimento. Então, vamos tratar de detoná-la. Quem fala desse assunto? A revista Veja, que publicou uma capa dizendo que o PT iria receber o dinheiro de Cuba, e que se provou falso e ela nunca pediu desculpas ou se desdisse. Que disse que o PT recebeu o dinheiro das Farc, o que se provou falso, e também nunca pediu desculpas. É a liberdade de imprensa, mas a contratação de liberdade é responsabilidade. Se ela (a Veja) quer assumir em editorial que é contra nós, está tudo certo. Vai ficar com equilíbrio, como a defesa da moralidade. A Casa Civil, que é chefiada pela Dilma, é a guardiã institucional dessas informações nos cartões corporativos. A Dilma tem não só o direito, mas o dever, de ter a senhoria dessas informações. Se a oposição, PSDB, DEM, levanta um escândalo contra o governo Lula, em relação aos cartões corporativos, o que não se perdoa... O cara comprar tapioca com cartão corporativo a R$ 8,00 não é corrupção, mas uma frouxidão moral que não se deve praticar. Quem vaza isso para a revista Veja? É o que a inteligência brasileira precisa saber porque sumiram com essa informação. Quem vazou o dossiê para a revista Veja é o senador Álvaro Dias do PSDB do Paraná. Recapitulemos: a ministra Dilma, para ofender o PSDB e a oposição, quebrou o dever funcional de sigilo das informações que estão sob sua guarda e, para fazer esse serviço porco, chamou Álvaro Dias, violento adversário nosso, pedindo a ele, naturalmente com discrição, que entregasse para a revista Veja. Venha com outra.

JC - O senhor vem com freqüência ao Rio Grande do Sul. Qual é a importância do Estado para o Brasil?Ciro - Me proponho a vir uma vez por mês há muitos anos. Quem conhece a política brasileira sabe que quando o Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão ativos, participantes do processo, o Brasil avança, às vezes, aceleradamente, como foi na Revolução de 1930. Seja pela crise financeira, seja pelas questões políticas, Minas e o Rio Grande do Sul, nos últimos anos, andaram muito desmoralizados. Minas está se reconciliando e o Rio Grande do Sul também. Eu cultivo isso por pensar no Brasil uniforme, unido.

JC - Um pouco fora do eixo Rio-São Paulo?Ciro - Não é eixo Rio-São Paulo. A oligarquia política que hegemonizou o processo de São Paulo nos últimos anos tem feito muito mal ao Brasil. E flagrantemente pretende monopolizar a política nacional. Isso não podemos permitir, porque está gerando ressentimentos e desequilíbrios graves no País.

JC - Como está a articulação do PSB nos municípios do Rio Grande do Sul?Ciro - Nós, do PSB, estamos nos guiando por um critério. Vamos lançar o máximo de companheiros do partido. Não podendo ser um companheiro do partido, vamos priorizar companheiros do bloco de esquerda, que reúne PCdoB, PDT, PSB, PMN e PHS. Fora disso, vamos priorizar as alianças que fazem sustentação do governo Lula. Fora desses três critérios, só com a autorização, nos municípios menores das executivas estaduais, e nos municípios maiores, da executiva nacional.

JC - E em Porto Alegre qual seria a opção?Ciro - Tínhamos nas preliminares o Beto Albuquerque, que freqüenta números bastante estimulantes. Mas o projeto do partido é que ele deve se preparar para ser nosso candidato a governador. Isso é um projeto nosso. Não estou pondo data. Estou dizendo que nosso projeto para ele é prepará-lo para ser nosso candidato a governador do Rio Grande do Sul. Que é o estado brasileiro mais debilitado sob o ponto de vista das finanças públicas: 18% do dinheiro do povo do Rio Grande está indo para pagar a dívida. Isso não é razoável e está causando grandes prejuízos ao povo gaúcho e, portanto, ao povo do Brasil, porque isso enfraquece a presença do Rio Grande do Sul na política. O Beto está estudando isso, e eu, como assessor, como político mais velho, que estudou um pouco esses assuntos, estou à disposição dele com equipes para pensar modelos, matrizes... Aqui em Porto Alegre estamos indo para o segundo critério, de priorizar o apoio do bloco. Acabei de visitar meu companheiro Vieira da Cunha (presidente nacional do PDT) e Mateus Schmidt (presidente regional do PDT). Idealmente, sonho que o bloco se apresente coeso. Mas, evidentemente, é só um sonho. A única coisa que pedi foi que, se esse sonho não pudesse se praticar, se preserve, em nome do interesse nacional, a cordialidade, a fraternidade e a generosidade entre nós.

JC - Há reciprocidade para esse pedido entre os partidos?Ciro - Me senti muito feliz. Não só pela forma cortês e generosa que mais uma vez me receberam, mas pelos sinais que me dão de que, sem dúvida, vai acontecer ou a coesão, que é o ideal, ou uma bem discutida fórmula de participarmos do processo nos seus dois turnos. Também conversei com o PCdoB e com a Manuela pelo telefone.

JC - E a candidatura de Manuela D'Ávila?Ciro - O PSB local deu alguns passos na direção da Manuela. Os companheiros do PDT têm uma situação muito mais complexa, eles participam do governo Fogaça. Tenho respeito e estima pelo prefeito Fogaça, e é absolutamente normal e legítimo que o PDT necessite de um tempo para maturar isto, permanecer ali, e, inclusive, apresentar um candidato próprio. E nós respeitamos esse tempo.

JC - Qual foi a sua abordagem na palestra durante o Fórum da Liberdade?Ciro - Minha ponderação ao Brasil, nos fóruns acadêmicos ou políticos em que participo, é que não permitamos que ideologias nos sejam impostas como ciência. Ideologias têm premissas apaixonadas que não correspondem à realidade. Basta ver quantos sonhos se frustraram. A queda do muro de Berlim é um símbolo da frustração de uma concepção porque tinha uma premissa ideológica e as conseqüências não se adequaram à realidade. A ciência não. A ciência precisa de premissas demonstradas e de evidências da realidade para se provar. Nesse sentido, quero dizer que a liberdade de comércio deve ser a continuação de todas as outras liberdades. Nada que iniba a aproximação de pessoas no planeta é intrinsecamente bom. Porém, as condições reais de empreender, ou seja, de trabalhar, de produzir, de comercializar e de competir não são globais. O Brasil foi durante 20 anos campeão mundial de taxas de juros e hoje, graças aos avanços do governo Lula, somos vice-campeões mundiais. Numa condição tão assimétrica, tão desigual, o competidor não suporta. E começa então a constranger decisões de investimentos e a gerar passivos. E são passivos externos em dólar, que já quebraram o Brasil três vezes. Temos passivos sociais explosivos. A taxa de desemprego saltou de 4,5%, quando eu era ministro da Fazenda, em 1995, para 14% de desemprego depois do mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o Lula tomou posse. A questão da economia política brasileira é buscar um modelo que oriente coordenadamente governo e empreendedorismo privado para superar as assimetrias.

JC - Um levantamento do Senado mostra que no ano passado tivemos mais Medidas Provisórias do que leis. Isso não é um problema?Ciro - Isso é um falso problema. Uma reclamação corporativista de meus iminentes colegas, que põem a culpa de um problema grave num culpado errado. O problema grave é baixíssima produtividade do Congresso Nacional. O Parlamento deve ter a responsabilidade de fazer os negócios do Estado funcionarem. Senão fica essa maluquice: um Executivo com a responsabilidade de fazer os negócios funcionarem e um Parlamento com a tarefa de legislar ao seu tempo. Então, temos duas formas de resolver. Uma é o parlamentarismo. A maioria é parlamentar, vai lá e governa. Mas, se hoje explode uma crise na Malásia e é preciso alterar a norma brasileira, você vai mandar um projeto de lei que passa por um rito de comissões, entra num bate-boca infernal, o mesmo deputado fala seis vezes a mesma cosia numa sessão só. Fico oito horas sentado esperando para apertar o botão e dizer sim, eu concordo com isso aí. Isso quando chega ao plenário. Há um erro de engenharia institucional no Brasil. A nossa Constituição é parlamentarista. E arrematou no fim o presidencialismo. Isso é um impasse institucional. Sou parlamentar, mas digo que sem medida provisória o Brasil é ingovernável.

JC - Como foram suas experiências como ministro da Integração Nacional, no governo Lula, e na Fazenda, com o ex-presidente Itamar Franco?Ciro - De boa lembrança foi o planejamento que não existia e que montei, por delegação do presidente Lula, com os números e os endereços do problema do desequilíbrio no território das conquistas do desenvolvimento brasileiro. Tenho documentado com números a situação da Metade Sul do Rio Grande do Sul, que foi a região de subespaço nacional que mais regrediu no País nas últimas décadas. Ao mesmo tempo que esse diagnóstico permitiu me dar o endereço, pude também embrionar uma terapêutica. Isso foi o lado melhor. E o pior, claramente, foi estar no grupo de seis ministros que administraram as matrizes do dito mensalão. Aquilo foi um constrangimento grave. Vi o País na eminência de um golpe de estado, de conseqüên-cias funestas. Vi a sociedade brasileira ser induzida a crenças absolutas. Vi de forma chocante a grande imprensa brasileira virar um partido político. Vi também pessoas que não tinham o direito de falharem no campo moral, numa hora em que o País pela primeira vez em sua história moderna tem um presidente progressista, de esquerda, um País equacionando as coisas todas para superar os gravíssimos problemas que se agravaram recentemente no Brasil. Isso me machucou muito. Tenho orgulho de ter ajudado a esconjurar essa crise, modestamente, mas isso foi disparado no pior momento da minha vida pública.

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